MISSÃO E VISÃO

Em 1936, no mesmo ano em que nasceu o Colégio Luso-Francês, Emmanuel Mounier assinou o seu Manifesto ao Serviço do Personalismo, onde dedica um capítulo à questão da educação: “A Educação da Pessoa», onde reflete sobre um estatuto pluralista de escola, depois de definir os princípios de uma educação personalista.
Seguimos de perto a sua reflexão, acreditando que constitui o fundamento do projeto educativo em que acreditamos e que queremos promover no Colégio Luso-Francês, enquanto escola católica, inspirada pelo Evangelho e pela experiência de santidade de Francisco de Assis.
Tal como o movimento personalista, não aceitamos uma neutralidade impessoal nem assentimos com o domínio da coletividade sobre a pessoa da criança.
Defendemos que a educação não tem por finalidade condicionar a criança ao conformismo de um meio social ou de uma doutrina de Estado, ou de um sistema socioeconómico mais ou menos indiferenciado. Por outro lado, não aceitamos que o fim último da educação se reduza ao papel que a pessoa representa no sistema das funções sociais ou num qualquer sistema de relações privadas.
A educação não é redutível nem ao cidadão, nem ao profissional, nem ao personagem social. Nem tem como função tutelar converter a criança num cidadão consciente, num pequeno patriota, nem num correligionário positivista de qualquer modelo de proficiência socioeconómica, política e cultural. Acreditamos que a educação tem como missão essencial despertar pessoas capazes de viver e de comprometer-se como pessoas.
Nesse sentido, opomo-nos a qualquer regime totalitário de escola e à excessiva normatividade sistémica do paradigma convencional que, em vez de preparar progressivamente a pessoa para usar da sua liberdade e das suas responsabilidades, começa por esterilizá-la, vergando a criança ao triste hábito de pensar por delegação, de agir por ordem e de resignar-se a estar situada, acomodada.
Aceitamos que ter uma profissão é condição necessária para garantir a mínima liberdade material sem a qual a vida pessoal se encontra comprometida, mas acreditamos que a preparação para a profissão e a formação técnica e instrumental não devem constituir o centro nem o propósito da ação educativa.
Como escreveu Mounier, a atividade da pessoa é liberdade e conversão à unidade de um fim e de uma fé. Não aceitando que a educação seja totalitária [ou seja: materialmente extrínseca e coerciva], defendemos que deve ser total [integral], na medida em que afeta e implica o homem na completude da sua essência e em todas as dimensões da sua existência. Nesta perspetiva não pode conceber-se uma educação neutra.
Uma educação personalista rejeita a ideia de uma escola que se abstenha em todas as matérias que supõem uma conceção de vida positiva, de existência concreta. Esta é uma questão particularmente relevante no problema da identidade de uma escola católica, não só nas suas implicações conceptuais, mas sobretudo nas suas expressões e consequências existenciais.
Não acreditamos num projeto educativo que separe [ou compartimente] distintamente os conceitos e os processos de instrução e educação, cabendo à escola a instrução [num modelo perspetivado em função da estrita competência na transmissão de conteúdos programáticos], e cabendo à família a educação. Com efeito, defendemos que a instrução e a educação são conceitos e processos indissociáveis e complementares. Por outro lado, se a família [no contexto bem delimitado da sua ação] não pode nem deve negligenciar as suas obrigações nestes processos [mesmo no apoio à instrução escolar, de acordo com as suas possibilidades], a escola não pode nem deve negligenciar a educação integral da criança, que não se circunscreve à transmissão de conhecimentos científicos e técnicos.
A escola, e mesmo o ensino pré-escolar, tem como função ensinar a viver e não apenas prover à transmissão de conhecimentos ou à aquisição de certas competências. E é o próprio de um mundo de pessoas que a vida não se ensine mediante uma instrução impessoal, subministrada em forma de verdades codificáveis.
Tal conceção de ensino assenta sobre o pressuposto racionalista de uma verdade totalmente justificável por evidência positiva e comunicável ao modo académico, sem a sanção da experiência pessoal que, no sujeito que a recebe, é integrada numa vida culminada por valores. Ignorando por decisão o fim último da educação — a singradura existencial de uma pessoa — e os meios que lhe são apropriados, uma escola assim pensada corre o risco de limitar-se aos fins práticos do organismo social: a preparação técnica do produtor e a formação técnica do cidadão. Tal escola limita-se a salvar uma aparência de cultura e a acumulação sem sentido de disciplinas.
No contexto português, quem mais defendeu o conceito de “escola neutra”, foi quem mais lhe incutiu [explícita ou implicitamente] as marcas ideológicas do espírito do tempo. E foi também nesse modelo de escola que os mais carismáticos professores cederam a todo o tipo de proselitismos — trata-se da reação de resistência expectável do homem contra a abstração do sistema. Com efeito, ao não dar à pessoa mais do que o sentido de uma liberdade vazia, a escola prepara-a apenas para a indiferença ou para uma espécie de jogo, não para uma existência comprometida e responsável.
Independentemente do modelo ou da identidade, a criança tem o direito de receber na escola não só uma instrução, mas também uma educação. Esta educação não pode ser neutra, no sentido de se abster de qualquer afirmação sobre o homem e de toda a sugestão relativa à criança. Numa sociedade que defende a liberdade de ensino, a escola [seja ela católica ou não] nunca pode justificar e encobrir a exploração do homem, a prevalência do conformismo social ou da razão do Estado, a desigualdade moral e cívica das pessoas ou das classes, o predomínio da mentira sobre a verdade, do instinto sobre o amor e sobre a gratuidade. Por isso afirmamos que nem a escola do Estado deve ser educativamente neutra. É a dignidade inalienável da pessoa que deve defender a escola de um modelo que confundiria, por exemplo, a laicidade com a indiferença educativa, ou o controlo com o monopólio.
No Colégio Luso-Francês acreditamos e defendemos que a liberdade não é indiferente, mas que é chamada [vocacionada] a um certo destino que se diversifica em cada vocação pessoal. E acreditamos que educar é construir um lugar para o outro. E é por acreditarmos que educar é construir um lugar para o outro que somos, desde 1936, um “estaleiro” de vidas.